Em entrevista ao HuffPost, o ministro do STF negou haver “revanchismo” contra a operação. Porém, disse que a exaltação à operação fez os responsáveis “imaginarem que eram mais do que eram de fato”.
“O STF não tem que se preocupar com a Lava Jato. A Lava Jato é um grupamento burocrático, não é uma instituição sequer.” A afirmação é do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), em entrevista exclusiva ao HuffPost.
Questionado sobre o que ficou conhecido como Vaza Jato — série de reportagens do site The Intercept Brasil que revelaram trocas de mensagens entre os procuradores da força-tarefa na Operação Lava Jato em Curitiba e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, então juiz à frente do caso, Mendes minimizou o que se convencionou chamar de “a maior investigação de corrupção do País”.
O ministro do STF negou que haja, como acusa o coordenador da força-tarefa em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, uma espécie de “revanche” por parte do tribunal. “Não se trata de nenhum revanchismo. As pessoas têm que ter o cuidado para que o fracasso não lhes suba à cabeça. Não se deem mais importância do que têm”, frisou.
Gilmar Mendes deu a entender que foi justamente a exaltação extrema à operação que abriu espaço para as “distorções todas”, reveladas pela Vaza Jato. “As pessoas passaram a imaginar que elas eram mais do que elas eram de fato. Passaram a fazer essas sociedades, essas promiscuidades, buscar honorários, criar fundação, se associar com advogados. (…) Práticas de corrupção”, disse, referindo-se aos serviços de consultoria e palestras que membros da cúpula da Lava Jato passaram a oferecer.
O magistrado falou ainda dos inúmeros pedidos de impeachment contra ministros do Supremo — o que, para ele, revelam uma tentativa de “afastar, amedrontar ou constranger” de alguma forma o Judiciário.
Alvo de um dossiê da Receita Federal, Mendes, por outro lado, não vê como ato de “intervenção” as recentes ações do presidente Jair Bolsonaro no órgão, que internamente têm sido classificadas como um movimento contra órgãos de combate à corrupção.
Leia a íntegra da entrevista:
HuffPost: A Vaza Jato revelou indícios de abusos na condução da Lava Jato. Como o senhor acredita que esses casos deveriam ser tratados?
Gilmar Mendes: Tenho a impressão de que vamos ter que tratar nas mais diversas esferas. Naquilo que reflete nos processos que eles julgaram, nos que tiverem que ser examinados e ver a repercussão. E no campo também disciplinar e em outro tipo de responsabilidade. Haverá sempre a pergunta de prova de ato ilícito ou prova com base em ato ilícito, mas isso vai ter que ser devidamente examinado. Acho que já tem várias representações no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), também na corregedoria do Ministério Público… O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) também terá que se debruçar sobre isso. No mínimo terá que haver regras de organização e procedimentos para o futuro para que isso não mais se repita.
O senhor já afirmou algumas vezes que a postura do coordenador da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, pode ser considerada crime. Por que parece tão difícil uma punição neste caso, já que as queixas contra ele seguem paradas no CNMP?
Esse regime, em geral, é de autoproteção. Aqui a gente percebe muito bem que, de um lado, a corregedoria da própria procuradoria não funcionou. E de outro, também o CNMP não funcionou. E isso precisa ser, de fato, olhado. Não é muito fácil, realmente, punir os próprios procuradores, porque eles têm esse sentimento de autoproteção. Quando você faz uma representação, por exemplo, de caráter criminal, são eles mesmos que vão oferecer a denúncia ou não. Há um corporativismo muito forte. Esse é um outro aprendizado e vamos ter que enfrentar isso, certamente.
Sobre o ministro Sérgio Moro, o senhor também tem criticado a postura dele na condução do caso. Como o senhor acha que deve ser tratada a situação específica do ex-juiz?
Tem um sindicância no CNJ em relação a pessoas que já saíram da função, que é o caso dele, que já se demitiu da função de juiz. Aqui a questão que temos em aberto é o debate sobre a imparcialidade e a eventual suspeição e isso será examinado pelo tribunal.
Após todas as revelações da Vaza Jato, o senhor acredita que o ministro Sérgio Moro saiu enfraquecido?
Eu tenho a impressão de que a própria operação hoje passa por uma revisão de conceito. Acho que muita gente hoje está surpresa com esses malfeitos todos que foram revelados. Quanto à popularidade, ou não, isso é um fenômeno um tanto quanto sazonal. A gente não deve prestar atenção. Mas certamente, pelo que a gente vê na sociedade e também no Congresso, há uma reação contra esses malfeitos. Dá pra ver que houve uma mudança bastante grande e certamente vamos sair mais fortes e mais aprimorados desse processo todo.